Não gosto de coisas de transição. Nunca gostei. Nunca tive relações de transição, nem nunca me permiti estar em transição para o que quer que seja, não fiz periodos de transição com a entrada da Mafalda na escola nem com a Teresa na avó.
Gosto de mudanças, isso gosto. Gosto de mudanças que se fazem com o passo firme ainda que com alguma desconfiança do que nos espera mais à frente. Acredito que só a mudança tem força para nos mudar com o empenho que a própria mudança implica.
E ando desconfortável porque o país está mais do que em mudança, em transição. Estamos algures no meio do caminho entre cá e lá, entre o antes e o depois e não chegamos a lado nenhum.
Não gosto. E tenho muita dificuldade em me gerir assim.
A começar pelo trabalho. Já começo a ter alguma dificuldade em lidar com a histeria quase colectiva que se instalou e que parece ser cada vez mais alimentada por todos.
Não sou funcionária pública mas sou funcionária de uma empresa participada pelo estado. Mais, uma empresa em que o único accionista é o estado. E se já era mau termos por cá os senhores da troika a ensinar-nos o padre nosso, ainda pior é ter um conselho de administração que está de saída, já que o senhor Paços Coelho convenceu a maioria do eleitorado português.
Não sei trabalhar assim. Esta cultura portuguesa de esperar para ver e depois decidir leva-me ao limiar da loucura. E se por um lado é a própria administração a dizer que mantem-se em funções (activas) até ao fim, por outro parece que os directores não levam isto a sério e adoptam uma postura de "sim senhor" mas por trás adoptam a outra de "é melhor esperar para ver".
Acontece que eu preciso que alguém (de preferência alguém que seja bem pago para isso) tome decisões. O meu trabalho depende disso. E ao que parece estamos na fase da moeda, de um lado temos a cara e do outro temos a coroa. E preciso comprometimento de todas as partes, e como é sabido vivemos tempos em que achar alguém que se queira comprometer é ainda mais dificil do que encontrar Nª Srª de Fátima num Domingo no cimo de um monte.
Depois de uma semana (quase non-stop) reunida com o Conselho de Administração e com os Directores só me vem à cabeça que preciso de gritar.
E eu que até sou uma tipa calma dei por mim a ter de levantar a voz (só um bocadinho :-)) para o meu Director e para o Sr. Presidente do Conselho de Administração.
Os tempos são dificeis, é certo que sim. Mas se é para levarmos todos a paulada, para quê tanto secretismo com esta coisa das medidas de austeridade? Será que a primeira medida de austeridade passa pelo terrorismo emocional dos cidadãos? Seremos nós mais produtivos na dúvida e na incerteza? Encontraremos nós mais motivações para realizarmos as nossas tarefas com todo o nosso potencial por sermos hora sim hora sim assediados com a bandeirola da austeridade.
É sabido que é necessário cortar despesa. Bato palmas, já o deviamos ter feito à muito tempo e se me tivessem ouvido, da minha parte a empresa tinha poupado uns milhares de euros. Se resolvia? não, mas também não prejudicava. Até aqui a coisa tem sido pacifica, reduzimos os consumos, reduzimos aqui, reduzimos ali, reduzimos onde podemos até chegar a tal ordem da medida XPTO do Plano de austeridade do governo com a adenda XYZ do plano da troika, e chegarmos de vez ao corte de projectos e de despesas com o pessoal.
Mas até chegarmos lá eu preciso que por aqui se continue a trabalhar no hoje, aqui e agora.
Por isso digo que não gosto de transição. Preferia mil vezes ter já a nova administração e lidar com ela do que continuar neste sistema. Até porque já não consigo mais ouvir alguém a dizer-me: "bem... isso vamos ter de esperar para ver..."
Troca-se período de transição e incerteza por período de mudança e confiança. Alguém tem?